[ENTREVISTA] ESC Portugal à conversa com Wanda Stuart (Parte I)
ESC Portugal: Olá Wanda! Antes de mais muito obrigado pela disponibilidade para esta entrevista.
Wanda Stuart: Obrigada eu!
ESC Portugal: Vamos então começar, talvez, pelo início da sua carreira. A Wanda saltou para o conhecimento do grande público a partir da Grande Noite, do Filipe La Féria, mas antes disso já tinha um percurso a nível musical…
Wanda Stuart: Sim, que me levou precisamente ao La Féria. Eu acho que fiz aquela escola que os mais antigos faziam, fiz o circuito dos bares, dos casinos, de alguns hotéis que tinham música ao vivo. Tive esse percurso que acho que foi uma grande escola porque, não só conheci outros cantores, alguns também em início de carreira… por exemplo, nos bares conheci a Nucha, que também já venceu o Festival. Na altura, em Lisboa, havia uma profusão enorme de bares com música ao vivo, - infelizmente já não é o que acontece.
ESC Portugal: E quando é que aparece o Filipe La Feria?
Wanda Stuart: Isso foi depois, quando fiz uma peça de teatro para televisão, uma comédia estilo commedia dell arte, onde estava também o João Baião. Foi aí que conheci o João Baião, - ele estava a montar um espectáculo de café-concerto com a Maria Rueff, que ainda era uma ilustre desconhecida, mas já muito talentosa, - e eu como já fazia parte do circuito dos bares, conhecia quase todos os bares de Lisboa, arranjei também trabalho para eles fazerem… na altura era mais musica ao vivo, não se fazia muito teatro nem café-concerto nos bares, e eu talvez tenha sido um bocadinho a culpada de meter o João Baião e a Maria Rueff nesse circuito. Entretanto o João soube que o Filipe estava a fazer audições já para a Maldita Cocaína, - a Grande Noite surgiu depois e com a oportunidade de se fazer antes, enquanto o Politeama estava em obras, - e disse-me para eu ir. Eu fui, fiz a audição, o Filipe gostou muito, diz que até hoje, -palavras do Filipe! – foi a audição mais inesquecível que ele já teve, que jamais se irá esquecer. Quando dei por mim, cinco minutos depois, quando fui à procura do João Baião, para lhe agradecer o facto de me ter falado nisso, já estava o Baião com o Filipe a escreverem textos para mim. Foi assim uma coisa de repente, foi tudo muito rápido. Mas eu já vinha de facto com uma bagagem que eu acho que me deu uma grande consistência e um grande à vontade, não só porque acho que já nasci com isso, mas também o know how, que fui aprendendo com outros cantores, outros músicos, nas jam sessions que nós fazíamos com músicos variadíssimos. Foi esse à vontade que me permitiu chegar à frente do Filipe, e ele perguntar-me então vai fazer uma adição de quê? De teatro, de dança, de canto…? E eu disse: De tudo! Permitiu-me ter a bagagem para chegar ao palco e fazer tudo aquilo que me deixassem fazer. E foi assim que comecei. O Filipe, aos poucos, foi-me dando alguns papéis de destaque, portanto não foi uma coisa imediata… por exemplo, na altura o maestro Pedro Osório precisava de vozes para o coro, enquanto o Filipe precisava de pessoas para o elenco, e eu disse logo: meus amigos não se chateiem que eu faço as duas coisas, e assim foi. Durante grande parte da Grande Noite eu fazia parte do coro, mas fui tendo já alguns números e, curiosamente, tive uma grande sorte, - que também construí, porque a sorte também se constrói, trabalha-se para isso, - que foi o facto de termos sempre convidados semanais, que às vezes não apareciam, ou ficavam doentes, ou assustavam-se com o ritmo de trabalho que nós tínhamos e achavam que não iam dar conta do recado e, no dia da gravação, simplesmente não apareciam. E desde essa altura eu passei a ser a pessoa que tinha que saber o guião todo do espectáculo, tinha que saber os papéis de toda a gente, porque quando faltava alguém punham-me a substituir. Isso deu-me um traquejo que eu agradeço até ao fim dos meus dias, porque foi uma grande responsabilidade, na altura, e o trabalho não era redobrado, era quadriplicado. Eu cheguei a ter que substituir algumas pessoas no próprio dia, a ter que saber no próprio dia decorar canções, marcações, coreografias, textos… Eu costumo dizer ao Filipe: quem resiste a ti, resiste a tudo! Por isso hoje em dia acredito que tudo é possível de se fazer. E depois da Grande Noite já comecei a ter papéis com mais destaque, na Maldita Cocaína o Filipe já me deu uma protagonista, e a partir daí foi sempre… bem, acho que também se deveu um bocadinho à minha sensatez, porque chegaram a oferecer-me papeis que eu achei que eram areia demais para a minha camioneta, que estava a começar a ganhar estrutura, e eu tive a sensatez de recusar alguns papéis. Se calhar agora já os podia aceitar.
ESC Portugal: Mas mesmo antes disso, a Wanda estudou canto gregoriano, não foi?
Wanda Stuart: Estudei no Instituto Gregoriano de Lisboa, estudei música. Era uma miúda, tinha treze anos, soube que ia haver audições… nem sabia da existência do Instituto Gregoriano, antes disso. Mas fui fazer as audições, passei, fui admitida como aluna, e depois foram dois anos em que tive que encobrir isso ao meu pai. Porque o meu pai, sendo militar e tendo tido uma educação bastante rígida… para além de que o conflito de gerações entre mim e o meu pai era bastante acentuado, porque o meu pai tinha cinquenta anos de diferença de mim, eu era a mais nova de dez filhos… e depois, para a geração do meu pai as actrizes e as cantoras não eram muito bem vistas, eram conotadas como tendo outra profissão menos simpática, e isso para o meu pai era uma grande confusão, pensar que tinha uma filha artista, cantora, nem pensar nisso! E portanto durante dois anos consegui ocultar essa situação, cantando em bares, sem o conhecimento do meu pai, portanto havia ali um esquema com a conivência da minha família, era assim uma vida dupla, mas que me servia, não só porque já me dava muito prazer cantar com pública, mas também me servia para pagar os meus estudos de musica. Durante dois anos teve que haver ali um grande jogo de cintura, não só da minha parte, mas também da minha mãe e de alguns dos meus irmãos, que compactuavam com a situação. Até que o meu pai descobriu e quase que rebentava a terceira guerra mundial lá em casa mas depois ele acabou por aceitar, depois de me ver na televisão, precisamente na Grande Noite, depois foi ver-me ao teatro. Nessa altura houve realmente aceitação e conseguiu chamar trabalho àquilo que eu fazia. Para ele, inicialmente, eu jamais iria viver da música. Para ele e para muitos pais daquela geração.
ESC Portugal: Mas a própria luta por essa aceitação deve ter sido mais um estímulo…
Wanda Stuart: Sim, claro! Aí está a grande diferença que hoje os miúdos que começam uma carreira – e têm todo o direito de a começar, de querer ter uma carreira, - mas não se apercebem das dificuldades que as pessoas da minha geração tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho. Hoje é tudo muito mais fácil. Hoje, às vezes, até são os pais a incentivar, se não são os pais são os canais de televisão que criam concursos em catadupa, e muitas vezes nem há mercado para tantos cantores. E em vez de os preparar para uma vida que não é fácil e não é simples, suscitam nas pessoas aquele sonho, de que do nada já és uma estrela e és uma vedeta, e isso cria desilusões.
ESC Portugal: Cria a ilusão de que para o sucesso não é preciso trabalho duro e aprendizagem…
Wanda Stuart: É verdade, exactamente. Por isso é que se vêem tantos concursos com pessoas que cantam um bocadinho bem, cantam no chuveiro e cantam para os amigos, e de repente acham que já são cantores e já são artistas, que já são actores. Eu só hoje, depois de já ter feito muitas protagonistas, depois de ter feito a Piaf, - que foi aquele papel que me encheu as medidas, enquanto actriz, - é que me passei a considerar actriz. A partir daquele papel, - e claro, com as devidas diferenças e as devidas distância, porque eu sei qual é o meu lugar, - quando a Senhora Eunice Muñoz veio ao palco dar-me os parabéns e dizer que eu era uma grande actriz, já consegui aceitar isso. Antes eu teria dificuldade em aceitar isso, ia achar que estava apenas a ser simpática. Por isso é que me faz uma certa confusão, às vezes, as pessoas que participam em pequeninas coisas e já se auto-intitulam actores, artistas e tudo o mais.
ESC Portugal: Bom, nós saltámos aqui alguns anos, porque antes a Wanda tem uma participação no Festival da Canção, em 1985, com o grupo Aguarela. Esse foi quase um ano mítico, já que estava a concurso nomes como a Alexandra, os irmãos Feist (Nuno e Henrique), - que a Wanda vai voltar a encontrar no Festival deste ano, - estavam os Delfins…
Wanda Stuart: Exacto! Os Delfins… às vezes perguntavam-me, há anos atrás, porque é que eu não concorria ao Festival e eu, na brincadeira, respondia que só concorria na condição de ou ganhar, ou ficar em último. Porque quando eu concorri os Delfins ficaram em último e vejam só a carreira que eles tiveram a seguir! Mas sim, nesse ano participei, a convite do Nuno Gomes dos Santos que eram um jornalista que escrevia muitas letras e algumas canções para o Festival. Foi inclusive o homem que me pôs a cantar profissionalmente, teria eu catorze ou quinze anos, quando comecei a cantar com ele… estreei-me na Festa do Avante, - hoje em dia temos estes festivais todos, desde o Rock in Rio ao Super Bock Super Rock, mas na altura a festa do Avante era O festival, A festa, era o evento do ano a nível cultural. Curiosamente quando me convidaram para o Festival da Canção eles deviam ter algum receio que eu, sendo uma miúda, tivesse algum tipo de constrangimento em estar num palco tão grande, como era o do Coliseu, - mal sabiam eles é que o que eu gosto mesmo é do palco! – e sugeriram que eu arranjasse alguém para cantar comigo, e eu, pronto, falei com dois colegas da escola e fizemos o trio Aguarela e concorremos ao Festival, sem nenhuma expectativa de ganhar, obviamente. Foi a minha primeira vez na televisão e eu queria era ir à televisão, queria ir cantar, queria participar, porque sabia desde o início que jamais poderia ganhar. Não fiquei nada desiludida, gostei imenso, diverti-me, conheci pessoas, conheci um circuito ao qual não estava vinculada… e curiosamente vim agora a descobrir um outro circuito do Festival da Canção… vocês são quase uma família, ou quase uma seita, com aqueles códigos…! Eu tenho estado um pouco deslocada disso mas acho imensa graça ver como ainda há tantas pessoas que acompanham o Festival de uma forma bastante assídua e sabem tantas coisas. Acho muita graça e estou achar muito curioso aperceber-me que há realmente como que uma família Festival, da qual, este ano, eu voltei a fazer parte.
ESC Portugal: Mas já em 2009 tinha feito nova tentativa, com o tema Não me importa, cuja letra é da autoria da Simone de Oliveira.
Wanda Stuart: Curiosamente eu nunca me propus ir ao Festival, fui sempre. Não foi por que eu não gostasse do Festival, eu desde miúda que vejo. Mas nunca tive a pretensão ou a ideia de ir concorrer ao Festival ou pedir a alguém para me fazer uma canção, - porque eu não sou compositora. Há dois anos a Simone convidou-me, disse que tinha um poema, – que eu acho que é a minha cara, a minha e a da Simone, tem tudo a ver coma nossa personalidade, - e eu aceitei, aliás, jamais me passaria pela cabeça diz que não à Senhora Dona Simone, nem pensar! Por acaso acabámos por gravar um bocadinho à pressa, porque eu estava em Londres, e vim a correr para gravar, já que estávamos mesmo quase no prazo limite para a entrega das músicas. E depois não passou, sequer para a votação online e eu mais uma vez volto a frisar: não há compadrios. As pessoas que se desenganem, eu não estou ali apoiada por ninguém, eu não ando ao colo de ninguém da RTP. Tenho relações com pessoas da RTP, como com pessoas dos outros canais, porque já tenho uma carreira de vinte e oito anos. Mal de mim se não conhecesse ninguém e se ninguém me conhecesse, não é!? Portanto, qualquer comentário que possam fazer de que eu esteja a ser favorecida, desenganem-se, porque não é verdade. Muitas vezes funciona precisamente ao contrário. Eu mais uma vez vou para o Festival com a alma aberta, vou de peito aberto, porque tenho a plena consciência de que quero é fazer um bom trabalho. Se depois me escolherem para representar Portugal fico muito feliz, se não me escolherem também não fico decepcionada, não vou ficar triste, nem deprimida, porque sei que todos nós, à partida temos a possibilidade de ganhar. Não estou aqui com aquela ideia de que se não ganhar vou sofrer horrores. Apetece-me fazer um bom momento de televisão, contribuir para um bom espectáculo e espero que os meus colegas vão, também, com a mesma intenção. Aí sim teremos um bom Festival e um grande momento de televisão.
ESC Portugal: Ao que julgo saber o tema que vai apresentar foi escrito propositadamente para o Festival. Foi também escrito para a sua voz?
Wanda Stuart: Foi escrito para o Festival, mas não para a minha voz. Tem graça, eu também não sabia. Porque eu conheci o Paulo [Teixeira de Sousa] através do Facebook, e pessoalmente só nos conhecemos no estúdio para gravar. Mas segundo o que o Paulo me contou ele compôs a música, foi compondo a música, é à medida que o poema foi saindo ele começou a pensar no tipo de voz que gostava que cantasse a canção dele. E a voz que ele queria, segundo as características que ele imaginava, uma voz com carisma, uma voz com força, com garra, uma presença forte e tudo o mais, segundo ele, - e são palavras dele, do meu autor, não são minhas, - diz que ao equacionar todas as características pensou imediatamente num nome, Wanda Stuart. E aí pôs se a questão de como é que ia chegar até mim, sempre incentivado pelos amigos, que sugeriram que me procurasse no Facebook. Lá acabou por encontrar-me e entrar em contacto comigo, eu disse-lhe que me enviasse a música e que se gostasse… porque não!? E assim foi. Foi assim que ele chegou à minha voz!
ESC Portugal: Pode falar-nos um pouco sobre esta canção, sobre as referências e a mensagem de Chegar à tua voz?
Wanda Stuart: Eu quando ouvi a minha música vi-me como que num filme épico. Faz-me lembrar um daqueles filmes do Cecil B. DeMille, aqueles grandes épicos. Tem um carisma, tem uma sonoridade… é uma balada, sim, mas tem uma batida forte, muito étnica e épica lá esta. Eu sinto esta canção como um hino, sobretudo no refrão. Claro, as pessoas não ouviram ainda a musica toda, mas no final o coro entra com muita força e eu própria canto com mais força, há um crescendo, e eu sinto a canção como um hino. Mesmo a batida, a cadência das palavras faz-me lembrar um hino. Não o hino de Portugal, mas um hino para nos representar enquanto país, um hino a Portugal e aos portugueses. Depois, a letra fala do mar, fala dos descobrimentos, mas de outra forma. Acho que o Paulo tentou ir por outro lado, ir buscar a parte da coragem, da bravura que o povo português sempre teve, mas que eu considero que anda um bocadinho esquecida, e daí achar que é importante termos este espírito, de ir à luta, de ter coragem… na minha interpretação esta canção é uma homenagem às pessoas que têm coragem de viver com amor. E quando falo em amor não estou a falar apenas de ter uma mulher, um marido, uma família, não; é pôr amor na vida, pôr amor naquilo que se faz, pôr amor naquilo que se constrói, em tudo! Para mim é esse o objectivo da evolução do ser humano, é fazer coisas com a melhor intenção, com mais perfeição, mas para isso é preciso acreditar nelas e ter amor por elas. Eu vejo a minha canção como uma homenagem a essas pessoas que, apesar de tudo, ainda lutam contra a maré e acreditam que ainda é possível viver com entrega e com amor. Não é só uma canção de amor, é uma canção de amor por tudo. Eu acho que nós andamos um bocadinho desmotivados. O povo português precisa de se lembrar outra vez da audácia que tínhamos na altura dos descobrimentos, e que fomos perdendo ao longo dos anos e fomos deixando que as pessoas viessem cá e fossem tomando a nossa cultura. Às vezes parece que já não nos pertencemos, e eu quero homenagear as pessoas que ainda têm a coragem de ser genuínas.
(continua)
Wanda Stuart: Obrigada eu!
ESC Portugal: Vamos então começar, talvez, pelo início da sua carreira. A Wanda saltou para o conhecimento do grande público a partir da Grande Noite, do Filipe La Féria, mas antes disso já tinha um percurso a nível musical…
Wanda Stuart: Sim, que me levou precisamente ao La Féria. Eu acho que fiz aquela escola que os mais antigos faziam, fiz o circuito dos bares, dos casinos, de alguns hotéis que tinham música ao vivo. Tive esse percurso que acho que foi uma grande escola porque, não só conheci outros cantores, alguns também em início de carreira… por exemplo, nos bares conheci a Nucha, que também já venceu o Festival. Na altura, em Lisboa, havia uma profusão enorme de bares com música ao vivo, - infelizmente já não é o que acontece.
ESC Portugal: E quando é que aparece o Filipe La Feria?
Wanda Stuart: Isso foi depois, quando fiz uma peça de teatro para televisão, uma comédia estilo commedia dell arte, onde estava também o João Baião. Foi aí que conheci o João Baião, - ele estava a montar um espectáculo de café-concerto com a Maria Rueff, que ainda era uma ilustre desconhecida, mas já muito talentosa, - e eu como já fazia parte do circuito dos bares, conhecia quase todos os bares de Lisboa, arranjei também trabalho para eles fazerem… na altura era mais musica ao vivo, não se fazia muito teatro nem café-concerto nos bares, e eu talvez tenha sido um bocadinho a culpada de meter o João Baião e a Maria Rueff nesse circuito. Entretanto o João soube que o Filipe estava a fazer audições já para a Maldita Cocaína, - a Grande Noite surgiu depois e com a oportunidade de se fazer antes, enquanto o Politeama estava em obras, - e disse-me para eu ir. Eu fui, fiz a audição, o Filipe gostou muito, diz que até hoje, -palavras do Filipe! – foi a audição mais inesquecível que ele já teve, que jamais se irá esquecer. Quando dei por mim, cinco minutos depois, quando fui à procura do João Baião, para lhe agradecer o facto de me ter falado nisso, já estava o Baião com o Filipe a escreverem textos para mim. Foi assim uma coisa de repente, foi tudo muito rápido. Mas eu já vinha de facto com uma bagagem que eu acho que me deu uma grande consistência e um grande à vontade, não só porque acho que já nasci com isso, mas também o know how, que fui aprendendo com outros cantores, outros músicos, nas jam sessions que nós fazíamos com músicos variadíssimos. Foi esse à vontade que me permitiu chegar à frente do Filipe, e ele perguntar-me então vai fazer uma adição de quê? De teatro, de dança, de canto…? E eu disse: De tudo! Permitiu-me ter a bagagem para chegar ao palco e fazer tudo aquilo que me deixassem fazer. E foi assim que comecei. O Filipe, aos poucos, foi-me dando alguns papéis de destaque, portanto não foi uma coisa imediata… por exemplo, na altura o maestro Pedro Osório precisava de vozes para o coro, enquanto o Filipe precisava de pessoas para o elenco, e eu disse logo: meus amigos não se chateiem que eu faço as duas coisas, e assim foi. Durante grande parte da Grande Noite eu fazia parte do coro, mas fui tendo já alguns números e, curiosamente, tive uma grande sorte, - que também construí, porque a sorte também se constrói, trabalha-se para isso, - que foi o facto de termos sempre convidados semanais, que às vezes não apareciam, ou ficavam doentes, ou assustavam-se com o ritmo de trabalho que nós tínhamos e achavam que não iam dar conta do recado e, no dia da gravação, simplesmente não apareciam. E desde essa altura eu passei a ser a pessoa que tinha que saber o guião todo do espectáculo, tinha que saber os papéis de toda a gente, porque quando faltava alguém punham-me a substituir. Isso deu-me um traquejo que eu agradeço até ao fim dos meus dias, porque foi uma grande responsabilidade, na altura, e o trabalho não era redobrado, era quadriplicado. Eu cheguei a ter que substituir algumas pessoas no próprio dia, a ter que saber no próprio dia decorar canções, marcações, coreografias, textos… Eu costumo dizer ao Filipe: quem resiste a ti, resiste a tudo! Por isso hoje em dia acredito que tudo é possível de se fazer. E depois da Grande Noite já comecei a ter papéis com mais destaque, na Maldita Cocaína o Filipe já me deu uma protagonista, e a partir daí foi sempre… bem, acho que também se deveu um bocadinho à minha sensatez, porque chegaram a oferecer-me papeis que eu achei que eram areia demais para a minha camioneta, que estava a começar a ganhar estrutura, e eu tive a sensatez de recusar alguns papéis. Se calhar agora já os podia aceitar.
ESC Portugal: Mas mesmo antes disso, a Wanda estudou canto gregoriano, não foi?
Wanda Stuart: Estudei no Instituto Gregoriano de Lisboa, estudei música. Era uma miúda, tinha treze anos, soube que ia haver audições… nem sabia da existência do Instituto Gregoriano, antes disso. Mas fui fazer as audições, passei, fui admitida como aluna, e depois foram dois anos em que tive que encobrir isso ao meu pai. Porque o meu pai, sendo militar e tendo tido uma educação bastante rígida… para além de que o conflito de gerações entre mim e o meu pai era bastante acentuado, porque o meu pai tinha cinquenta anos de diferença de mim, eu era a mais nova de dez filhos… e depois, para a geração do meu pai as actrizes e as cantoras não eram muito bem vistas, eram conotadas como tendo outra profissão menos simpática, e isso para o meu pai era uma grande confusão, pensar que tinha uma filha artista, cantora, nem pensar nisso! E portanto durante dois anos consegui ocultar essa situação, cantando em bares, sem o conhecimento do meu pai, portanto havia ali um esquema com a conivência da minha família, era assim uma vida dupla, mas que me servia, não só porque já me dava muito prazer cantar com pública, mas também me servia para pagar os meus estudos de musica. Durante dois anos teve que haver ali um grande jogo de cintura, não só da minha parte, mas também da minha mãe e de alguns dos meus irmãos, que compactuavam com a situação. Até que o meu pai descobriu e quase que rebentava a terceira guerra mundial lá em casa mas depois ele acabou por aceitar, depois de me ver na televisão, precisamente na Grande Noite, depois foi ver-me ao teatro. Nessa altura houve realmente aceitação e conseguiu chamar trabalho àquilo que eu fazia. Para ele, inicialmente, eu jamais iria viver da música. Para ele e para muitos pais daquela geração.
ESC Portugal: Mas a própria luta por essa aceitação deve ter sido mais um estímulo…
Wanda Stuart: Sim, claro! Aí está a grande diferença que hoje os miúdos que começam uma carreira – e têm todo o direito de a começar, de querer ter uma carreira, - mas não se apercebem das dificuldades que as pessoas da minha geração tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho. Hoje é tudo muito mais fácil. Hoje, às vezes, até são os pais a incentivar, se não são os pais são os canais de televisão que criam concursos em catadupa, e muitas vezes nem há mercado para tantos cantores. E em vez de os preparar para uma vida que não é fácil e não é simples, suscitam nas pessoas aquele sonho, de que do nada já és uma estrela e és uma vedeta, e isso cria desilusões.
ESC Portugal: Cria a ilusão de que para o sucesso não é preciso trabalho duro e aprendizagem…
Wanda Stuart: É verdade, exactamente. Por isso é que se vêem tantos concursos com pessoas que cantam um bocadinho bem, cantam no chuveiro e cantam para os amigos, e de repente acham que já são cantores e já são artistas, que já são actores. Eu só hoje, depois de já ter feito muitas protagonistas, depois de ter feito a Piaf, - que foi aquele papel que me encheu as medidas, enquanto actriz, - é que me passei a considerar actriz. A partir daquele papel, - e claro, com as devidas diferenças e as devidas distância, porque eu sei qual é o meu lugar, - quando a Senhora Eunice Muñoz veio ao palco dar-me os parabéns e dizer que eu era uma grande actriz, já consegui aceitar isso. Antes eu teria dificuldade em aceitar isso, ia achar que estava apenas a ser simpática. Por isso é que me faz uma certa confusão, às vezes, as pessoas que participam em pequeninas coisas e já se auto-intitulam actores, artistas e tudo o mais.
ESC Portugal: Bom, nós saltámos aqui alguns anos, porque antes a Wanda tem uma participação no Festival da Canção, em 1985, com o grupo Aguarela. Esse foi quase um ano mítico, já que estava a concurso nomes como a Alexandra, os irmãos Feist (Nuno e Henrique), - que a Wanda vai voltar a encontrar no Festival deste ano, - estavam os Delfins…
Wanda Stuart: Exacto! Os Delfins… às vezes perguntavam-me, há anos atrás, porque é que eu não concorria ao Festival e eu, na brincadeira, respondia que só concorria na condição de ou ganhar, ou ficar em último. Porque quando eu concorri os Delfins ficaram em último e vejam só a carreira que eles tiveram a seguir! Mas sim, nesse ano participei, a convite do Nuno Gomes dos Santos que eram um jornalista que escrevia muitas letras e algumas canções para o Festival. Foi inclusive o homem que me pôs a cantar profissionalmente, teria eu catorze ou quinze anos, quando comecei a cantar com ele… estreei-me na Festa do Avante, - hoje em dia temos estes festivais todos, desde o Rock in Rio ao Super Bock Super Rock, mas na altura a festa do Avante era O festival, A festa, era o evento do ano a nível cultural. Curiosamente quando me convidaram para o Festival da Canção eles deviam ter algum receio que eu, sendo uma miúda, tivesse algum tipo de constrangimento em estar num palco tão grande, como era o do Coliseu, - mal sabiam eles é que o que eu gosto mesmo é do palco! – e sugeriram que eu arranjasse alguém para cantar comigo, e eu, pronto, falei com dois colegas da escola e fizemos o trio Aguarela e concorremos ao Festival, sem nenhuma expectativa de ganhar, obviamente. Foi a minha primeira vez na televisão e eu queria era ir à televisão, queria ir cantar, queria participar, porque sabia desde o início que jamais poderia ganhar. Não fiquei nada desiludida, gostei imenso, diverti-me, conheci pessoas, conheci um circuito ao qual não estava vinculada… e curiosamente vim agora a descobrir um outro circuito do Festival da Canção… vocês são quase uma família, ou quase uma seita, com aqueles códigos…! Eu tenho estado um pouco deslocada disso mas acho imensa graça ver como ainda há tantas pessoas que acompanham o Festival de uma forma bastante assídua e sabem tantas coisas. Acho muita graça e estou achar muito curioso aperceber-me que há realmente como que uma família Festival, da qual, este ano, eu voltei a fazer parte.
ESC Portugal: Mas já em 2009 tinha feito nova tentativa, com o tema Não me importa, cuja letra é da autoria da Simone de Oliveira.
Wanda Stuart: Curiosamente eu nunca me propus ir ao Festival, fui sempre. Não foi por que eu não gostasse do Festival, eu desde miúda que vejo. Mas nunca tive a pretensão ou a ideia de ir concorrer ao Festival ou pedir a alguém para me fazer uma canção, - porque eu não sou compositora. Há dois anos a Simone convidou-me, disse que tinha um poema, – que eu acho que é a minha cara, a minha e a da Simone, tem tudo a ver coma nossa personalidade, - e eu aceitei, aliás, jamais me passaria pela cabeça diz que não à Senhora Dona Simone, nem pensar! Por acaso acabámos por gravar um bocadinho à pressa, porque eu estava em Londres, e vim a correr para gravar, já que estávamos mesmo quase no prazo limite para a entrega das músicas. E depois não passou, sequer para a votação online e eu mais uma vez volto a frisar: não há compadrios. As pessoas que se desenganem, eu não estou ali apoiada por ninguém, eu não ando ao colo de ninguém da RTP. Tenho relações com pessoas da RTP, como com pessoas dos outros canais, porque já tenho uma carreira de vinte e oito anos. Mal de mim se não conhecesse ninguém e se ninguém me conhecesse, não é!? Portanto, qualquer comentário que possam fazer de que eu esteja a ser favorecida, desenganem-se, porque não é verdade. Muitas vezes funciona precisamente ao contrário. Eu mais uma vez vou para o Festival com a alma aberta, vou de peito aberto, porque tenho a plena consciência de que quero é fazer um bom trabalho. Se depois me escolherem para representar Portugal fico muito feliz, se não me escolherem também não fico decepcionada, não vou ficar triste, nem deprimida, porque sei que todos nós, à partida temos a possibilidade de ganhar. Não estou aqui com aquela ideia de que se não ganhar vou sofrer horrores. Apetece-me fazer um bom momento de televisão, contribuir para um bom espectáculo e espero que os meus colegas vão, também, com a mesma intenção. Aí sim teremos um bom Festival e um grande momento de televisão.
ESC Portugal: Ao que julgo saber o tema que vai apresentar foi escrito propositadamente para o Festival. Foi também escrito para a sua voz?
Wanda Stuart: Foi escrito para o Festival, mas não para a minha voz. Tem graça, eu também não sabia. Porque eu conheci o Paulo [Teixeira de Sousa] através do Facebook, e pessoalmente só nos conhecemos no estúdio para gravar. Mas segundo o que o Paulo me contou ele compôs a música, foi compondo a música, é à medida que o poema foi saindo ele começou a pensar no tipo de voz que gostava que cantasse a canção dele. E a voz que ele queria, segundo as características que ele imaginava, uma voz com carisma, uma voz com força, com garra, uma presença forte e tudo o mais, segundo ele, - e são palavras dele, do meu autor, não são minhas, - diz que ao equacionar todas as características pensou imediatamente num nome, Wanda Stuart. E aí pôs se a questão de como é que ia chegar até mim, sempre incentivado pelos amigos, que sugeriram que me procurasse no Facebook. Lá acabou por encontrar-me e entrar em contacto comigo, eu disse-lhe que me enviasse a música e que se gostasse… porque não!? E assim foi. Foi assim que ele chegou à minha voz!
ESC Portugal: Pode falar-nos um pouco sobre esta canção, sobre as referências e a mensagem de Chegar à tua voz?
Wanda Stuart: Eu quando ouvi a minha música vi-me como que num filme épico. Faz-me lembrar um daqueles filmes do Cecil B. DeMille, aqueles grandes épicos. Tem um carisma, tem uma sonoridade… é uma balada, sim, mas tem uma batida forte, muito étnica e épica lá esta. Eu sinto esta canção como um hino, sobretudo no refrão. Claro, as pessoas não ouviram ainda a musica toda, mas no final o coro entra com muita força e eu própria canto com mais força, há um crescendo, e eu sinto a canção como um hino. Mesmo a batida, a cadência das palavras faz-me lembrar um hino. Não o hino de Portugal, mas um hino para nos representar enquanto país, um hino a Portugal e aos portugueses. Depois, a letra fala do mar, fala dos descobrimentos, mas de outra forma. Acho que o Paulo tentou ir por outro lado, ir buscar a parte da coragem, da bravura que o povo português sempre teve, mas que eu considero que anda um bocadinho esquecida, e daí achar que é importante termos este espírito, de ir à luta, de ter coragem… na minha interpretação esta canção é uma homenagem às pessoas que têm coragem de viver com amor. E quando falo em amor não estou a falar apenas de ter uma mulher, um marido, uma família, não; é pôr amor na vida, pôr amor naquilo que se faz, pôr amor naquilo que se constrói, em tudo! Para mim é esse o objectivo da evolução do ser humano, é fazer coisas com a melhor intenção, com mais perfeição, mas para isso é preciso acreditar nelas e ter amor por elas. Eu vejo a minha canção como uma homenagem a essas pessoas que, apesar de tudo, ainda lutam contra a maré e acreditam que ainda é possível viver com entrega e com amor. Não é só uma canção de amor, é uma canção de amor por tudo. Eu acho que nós andamos um bocadinho desmotivados. O povo português precisa de se lembrar outra vez da audácia que tínhamos na altura dos descobrimentos, e que fomos perdendo ao longo dos anos e fomos deixando que as pessoas viessem cá e fossem tomando a nossa cultura. Às vezes parece que já não nos pertencemos, e eu quero homenagear as pessoas que ainda têm a coragem de ser genuínas.
(continua)
A todos os que lerem com oa olhos, a cabeça e o coração, UM OBRIGADA do tamanho do Mundo a esta MULHER, que sendo uma força da Natureza, é simples como uma simples flor, e nem sequer e mesmo debaixo das "aparências" que tanto iludem ou fazem com que as pessoas pensem apenas com o que têm dentro de si próprias.... Esta é uma LIÇÂO de Simplicidade, de verdade e de AMOR...
ResponderEliminarQuem dera que todos fossem capazes de se analisar e sem vaidades olhassem o mundo desta forma. Entrei aqui apenas por acaso, e agradeço estas palavras, que eu já acreditava, mas que me deram a certeza que eram a verdade plena de uma vida cheia de tantas coisas... e tanta capacidade de amar os outros como a Wanda tem.
Estou emocionada e sinto que o AZUL que a Wanda nos inspira, é muito mais que a côr de um cabelo, que pode parecer fantasia.
São Raios de LUZ o teu AZUL DO INFINITO...
O azul tranquilizante
Continuando...
ResponderEliminarSem dúvida que parece que perdi as palavras e ficam apenas os sentimentos e emoções.
Sou a (Mãe Sara)e por aqui ando sem ser por acaso de certeza.
O TEU AZUL É o Simbolo da Tranquilidade, da Côr do Céu, da Côr do Mar... Talvez da CõR do ESPÍRITO E DO PENSAMENTO...
Ele simboliza a lealdade, a fidelidade, a PERSONALIDADE (A tua força porque tu WANDA ÉS UMA FORÇA DA NATUREZA)
Em tudo o que partilháste e a quem souber escutar com a voz do coração, entende e escuta que ao longo da tua vida e em tudo o que desejas e anseias, pensando nos outros e estando atenta aos mais simples, há realmente em ti esse valor da LUTA, do IDEAL, e do SONHO pelo Infinito inalcançável, talvez, mas entrelacando sentimentos de respeito e gratidão, transmitidos
nesse desejo e amor que manifestas nos pequenos e grandes gestos.
Abençoada sejas Wanda, porque .....
E Continuando para terminar nesta noite longa, permitam que transmita aqui uma mensagem que transmite o muito que por aqui foi dito:
ResponderEliminarBem-aventurados os que no coração se reconhecem pobres
pois é deles tudo o que há-de vir
Bem-aventurados os que existem mansamente
pois a terra os escolherá para herdeiros
Bem-aventurados os que rompem o muro das implacáveis certezas
pois são outros os caminhos da consolação
Bem aventurados os que sentem, pela justiça, fome e sede verdadeiras:
não ficarão por saciar
Bem-aventurados os que estendem largos os gestos de misericórdia
pois a misericórdia os iluminará
Bem-aventurados os que se afadigam pela paz:
isso torna os mortais irmãos de todos os homens
Bem-aventurados os que não turvam seu olhar puro
pois no confuso do mundo verão passar o próprio Infinito a que alguns chamam de DEUS"
T.M.