[ENTREVISTA] ESC Portugal à conversa com Henrique Feist (Parte II)

(continuação)

ESC Portugal: Bom, tendo em conta que a canção, na primeira parte não tem coros, na segunda parte não sei, mas imagino que não… estou a pensar mais em bailarinos… mas se é segredo, não vou pressionar. Passando à frente. Tendo em conta aquilo que já falámos sobre a canção, que característica é que este Quase a voar tem, na tua opinião, que façam dela uma potencial vencedora?

HF: Essa é sempre a pergunta mais difícil que nos fazem. Do que eu tenho visto dos anos anteriores o Festival cada vez mais é um totoloto, porque pensas uma coisa e depois o resultado é outro. Mas o que eu acho que a nossa canção tem de potencial vencedor é a força da musica, é o cariz português e, mantendo esse cariz, o apelo que faz às outras culturas. Esse piscar de olho às outras culturas é uma mensagem que testemunha o respeito que temos pela música deles. E por outro lado a parte da orquestração, porque mesmo havendo a impressão que as pessoas, quando votam, não se interessam pela orquestração, o facto é que inconscientemente isso influencia. As pessoas podem não distinguir um primeiro violino, ou um violoncelo, ou o piano ou seja o que for, mas inconscientemente sentem a beleza da orquestração. As pessoas votam por muitos factores de que não se apercebem, mas eles estão lá. E a esse nível esta canção tem o que é preciso. E também a ideia do que nós pensamos fazer em palco, que nunca foi feito na Eurovisão, - garanto-vos, nunca foi feito! Nem em Portugal, nem na Eurovisão, mas interessa sobretudo que nunca foi feito na Eurovisão.

ESC Portugal: Entretanto imagino que já tenhas tido a oportunidade de ouvir as canções a concurso este ano. O que é que achas da qualidade, em termos gerais, das canções seleccionadas?

HF: Já, já ouvi. Mas só ouvi o tal minuto e meio e, sinceramente, para mim é difícil avaliar sem ouvir as canções no seu todo. Claro que à partida há umas que gosto mais, outras nem tanto, mas não consigo, para já, avaliar. Posso dizer-te que uma das minhas favoritas não passou, que era a da Carla Pires, o Voar Alto. E depois também é muito difícil fazer essa avaliação porque tenho lá muitos amigos, este ano. A Wanda Stuart nem se fala, por razões mais que óbvias. Depois tenho o Nuno norte, que é uma pessoa de quem gosto muito, é uma pessoa educadíssima, e um das pessoas que mais gosto ali. Tenho a Carla Moreno que já dirigi em espectáculos que fizemos para a SIC. O Axel, pelas razões que já te disse. O Rui Andrade porque o conheço das andanças do La Féria. A Filipa Ruas também já dirigi numa gala da RTP… é difícil, é muito difícil.

ESC Portugal: E a tua opinião sobre a fase de selecção?

HF: Não concordo. Acho que não reflecte aquilo que vai acontecer durante o televoto. As pessoas que vão estar a ver e a votar, naquela noite, em directo, não têm nada a ver com as pessoas que votaram online e isso conta muito. Porque estão a passar canções que, se calhar, junto das massas não resultam. Para mim a votação depende da qualidade dos amigos e não da qualidade das canções, e a partir daí o processo está estragado. Por mim era o júri que escolhia as canções, bem ou mal, não interessa. E depois, na noite do Festival, o público escolhe a sua canção. Assim o público continua a participar, não deixar de ter a responsabilidade da escolha. Ou então, se quisermos ser mais democráticos, o júri escolhe oito e o publico através da votação online escolhe as outras quatro, por exemplo. O problema é que isto causa um mau ambiente entre os próprios concorrentes que é perfeitamente desnecessário, porque os bastidores do Festival devem ter um ambiente de festa, e há que distinguir entre competição saudável, que deve haver, e aquelas situações que nos fazem olhar de lado para o colega.

ESC Portugal: E a divulgação de apenas minuto e meio das canções, também não te agrada?

HF: Não, não me agrada, não acho que seja justo. É a mesma coisa que ires a uma exposição de pintura e só poderes ver metade de cada quadro. Se não podes ver o resto do quadro, como é que o avalias? Pronto, tudo bem, podes ficar com uma opinião passado minuto e meio, mas então que nesse minuto e meio nos mostrem também aquilo que vai acontecer em palco. Agora, só ter aquele minuto e meio, sem teres a noção de para onde é que pode ir a canção… o melhor exemplo que tens disto é a Alvorada! A Alvorada foi arrasada de cima abaixo durante a selecção online, mas quando as pessoas a viram em palco já era a melhor. Isto é a prova que o minuto e meio não chega, porque te leva a tomares decisões precipitadas. O que conta, para mim, é a apresentação da canção em palco, porque isso pode mudar tudo. Uma canção imensamente votada pode chegar ao palco e desiludir, uma canção pouco votada pode resultar e surpreender.

ESC Portugal: Já falaste há pouco da Eurovisão, e sendo tu um seguidor muito atento dos Festivais, tens uma explicação para o facto de Portugal ser o país que participa à mais tempo sem ter conseguido ganhar? É uma questão política, agravada pela nossa situação periférica? É o gosto musical português que é demasiado diferente do resto da Europa?

HF: Eu acho que pode ser falta de arrojo da nossa parte. Porque os outros países dão tudo, e nós muitas vezes ficamos pelo meio-termo. Não há o empenho que vês da parte de outros países, que apostam tudo, pensam em tudo, guarda-roupa, coreografia, tudo e mais alguma coisa. É um facto que temos estado a ganhar essa consciência, ano após ano.

ESC Portugal: Há uma fórmula para ganhar o Festival?

HF: Não, quanto a mim não há. Eu quando vi o ano passado a Lena Meyer [Landruf] a ganhar, com uma canção que achei que era uma porcaria, não percebi. E desde que vi um tipo a patinar no gelo e depois a ganhar... A partir desse momento passei a achar que é mesmo um totoloto e que não há mesmo nenhuma formula minimamente lógica para ganhar o Festival. Eu fico muito surpreendido quando leio, nos fóruns, as pessoas a dizerem ah isto não é para o Festival, não resulta na Eurovisão e pensas que então essas pessoas sabem a fórmula!? Mas depois chegas lá fora e começam as votações e percebes que afinal não sabiam fórmula nenhuma porque afinal a canção que não era para a Eurovisão foi a que ganhou. Por isso não vale a pena pensar que podemos levar algo que achamos que pode ganhar, mas sim levar uma coisa que achamos que pode marcar pela diferença lá fora, e é através dessa diferença que podemos ganhar. O resto é um totoloto. Olha, a minha favorita do ano passado, por exemplo, a da Geórgia, não ganhou. Outra de que eu gostava muito, a do Azerbaijão, não ganhou. E a Alemanha, que era a última em que eu apostava, acabou por ganhar. Por isso é que acho que acho que o que é preciso é sermos arrojados, isso é que nos pode fazer as pessoas votar.

ESC Portugal: Para além daquilo que está planeado para a actuação em palco, no caso de ganhares o Festival, de que forma é que pensas promover a tua canção lá fora?

HF: De todas as formas que me forem possíveis. Nesse cenário falaremos com quem de direito, e depois também temos muitos contactos em Inglaterra, na Alemanha também, e vamos canalizar todos os esforços para ver qual é a melhor forma de fazer a divulgação. Também já tenho uma ideia, para fazer um videoclip, mas vamos explorar todas as hipóteses possíveis e imaginárias.

ESC Portugal: Uma versão em língua estrangeira faria sentido no caso da tua canção? E já agora o que é que achas da questão da limitação da língua no Festival da Canção?

HF: Em relação à questão da língua não te sei mesmo responder. Cada vez mais vês os países levam canções e inglês e ganham com canções em inglês. Para mim o inglês faz sentido dentro de um género musical, como o pop e algumas baladas, porque é o tipo de coisas a que o nosso ouvido está mais habituado. Quando tens uma canção que apela à etnicidade e àquilo que é teu não sei se toda cantada em inglês faria sentido. Talvez para ser mais apelativo, e dado que o inglês é uma língua universal, metade em inglês seja uma opção. Toda em inglês já não sei. Uma letra toda em inglês e uma sonoridade portuguesa pode acabar por descaracterizar a canção. Mas lá está, depende do género da canção.

ESC Portugal: Vamos voltar ao tema da tua carreira, do teu percurso artístico. Estás quase a fazer trinta anos de carreira, já fizeste um bocadinho de tudo. Há algum sonho que ainda tenhas por realizar? O que é que te falta fazer?

HF: Olha, há uma coisa que já aprendi com trinta anos de carreira que é: não tenho sonhos, tenho metas. Porque se ficar pelos sonhos nunca os concretizo. Tenho metas, coisas que gostava de fazer. Um dos meus princípios é a noção de que nunca sei tudo, e isso desafia-me e estimula-me a querer aprender mais e fazer mais. Se e perguntares em que campo? Sempre ligado ao teatro, ou à arte, cinema, televisão, seja o que for. Tenho muita coisa que ainda gostava de fazer. Estou aberto a todas as possibilidades. Gosto muito de encenar, por exemplo, e já fiz imensa coisa, quer em televisão, quer em palco, fiz os Rapazes Nus a Cantar, é uma área que me agrada bastante, encenar e dirigir. Portanto tenho essas metas: poder encenar mais, poder fazer papeis cada vez mais desafiantes e nunca pensar que já atingi determinado estatuto só porque fui nomeado para os Globos de Ouro, ou porque ganhei o prémio da SPA (Sociedade Portuguesa de Autores). Há pessoas que me perguntam para que é que, ao fim de quase trinta anos de carreira, ainda preciso do Festival da Canção. Eu inverto a questão: porque é que não haveria de precisar do Festival da Canção? O Festival não tem limites e através dele podes ter o orgulho de representar o nosso país, tenhas cinco anos de carreira, ou tenhas trinta. Acho é que cada vez mais os artistas de renome deviam voltar ao Festival da Canção, porque isso é que se tem perdido.

ESC Portugal: Porque é que achas que isso aconteceu, essa perda de prestígio?

HF: Acho que houve essa perda porque as pessoas deixaram de acreditar, e houve muitas figuras de renome que simplesmente não se quiseram sujeitar à possibilidade de perder. Acho que este ano, felizmente, houve uma situação inversa, já que quase metade dos concorrentes são figuras públicas, e acho que isso é muito bom, para voltar a levar as pessoas ao Festival da Canção. Mas por outro lado os fóruns, por exemplo, não ajudam nada, porque as pessoas não se querem sujeitar ao tipo de comentários que às vezes se lêem, que eu acho que são de um mau trato aos artistas impensável. Eu em trinta anos de carreira já ouvi de tudo, criticas construtivas, criticas destrutivas, de tudo. Não me importo com nenhumas, porque são opiniões, respeito. A única coisa que não admito são insultos e injúrias, porque isso já não é uma crítica, é puramente má educação. Isso não gosto de ler, porque estamos a falar que artistas portugueses, caramba! São nossos!

ESC Portugal: E para terminar: qual é o teu próximo grande desafio, para além do Festival?

HF: Olha, não te consigo responder para já, porque estou entre vários projectos… não são projectos, são coisas que vão mesmo para a frente, mas que eu vou ter que tomar uma decisão, e como ainda não estão divulgados, não fosso dizer-te. Mas sim, há um projecto e assim que souber qual é, eu digo-vos. Para já fica a pista.

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