[ENTREVISTA] ESC Portugal à conversa com Nuno Norte (Parte II)

(continuação)

ESC Portugal – Relativamente à tua canção deste ano, São os barcos de Lisboa. Foi um tema escrito propositadamente para o Festival?

NN – O Carlos Massa pode falar-te melhor sobre isso, mas pelo que sei, pelo que ele me disse, este tema foi escrito entre Portugal e Itália, em viagens que ele fez. A letra é um agradecimento dele à cidade de Lisboa, que o acolheu, - ele é açoreano, - que lhe deu abrigo, que o ajudou a vencer e a estar bem, porque ele veio para cá com algumas dificuldades, - tal como eu quando vim para Lisboa, também vim com algumas dificuldades, - e esta cidade, realmente tem qualquer coisa mágica, há qualquer coisa nesta cidade que nos faz melhores. E todo este ambiente típico, estas ruelas, os bairros, a relação entre os vizinhos, têm algo que é muito inspirador.

ESC Portugal – E como é que surgiu o convite?

NN – Essa é uma história curiosa. Na semana antes de terminar o prazo de entrega da maquete na RTP, o Carlos [Massa] andava a ligar a toda a gente para tentar arranjar o meu número de telefone. Até que conseguiu e ligou-me, num fim de semana em que eu estava em viagem, a tocar, e eu disse que por mim tudo bem, manda-me o tema para eu ouvir, e se eu gostar avançamos. Bom, isto foi numa sexta-feira e no domingo, à meia noite, terminava o prazo. Entretanto no sábado vou directo de Aveiro para o Algarve, andei de um lado para o outro, acabei por não ouvir a música, nem tinha levado o computador comigo. No dia seguinte a tocar no Algarve a minha boleia desapareceu e eu fiquei apeado. Portanto decidi apanhar o comboio, mas o único comboio que tinha chegava a Lisboa à meia-noite, portanto liguei ao Carlos a avisar e a dizer que não ia dar, ao que ele responde: onde é que estás? Eu vou-te aí buscar. Isto era já a meio da tarde! E assim foi, viemos para cima, directos para o estúdio, ouvi a música no carro, chegámos ao estúdio, gravámos, acabámos, pegámos na maquete, fomos para a RTP, faltavam dois minutos para a meia noite quando lá chegámos para entregar a maquete. Foi mesmo no limite! Acho que é uma história engraçada, e foi a partir daí que eu comecei a acreditar, a achar que tínhamos ali qualquer coisa. E realmente acho que o tema é muito forte, acho que é o tema mais forte entre os finalistas, sinceramente, e acredito que temos muitas hipóteses de ganhar o Festival.

ESC Portugal – Ao nível da apresentação, o que é que estão a planear? Já é possível revelar alguma coisa sobre o que vamos poder ver em palco?

NN – Nós não vamos usar muitos artifícios. Eu sempre ouvi dizer que quem usa muitos artifícios é para esconder qualquer coisa e como nós não temos nada a esconder… eu nem sequer back vocals vou ter, vou ser só eu a cantar. Vamos ter elementos em cima do palco, a fazer o playback do tema, não vou dizer já quem são, mas vai haver uma guitarra portuguesa, um violoncelo, um acordeão e mais qualquer coisa, também para ajudar a parte da imagem, mas vai ser uma coisa muito simples, muito clássica, sem muitos artifícios.

ESC Portugal – Imagino que já tenhas tido a oportunidade de ouvir as canções dos outros participantes. O que é que achas da qualidade geral dos temas e dos cantores?

NN – Olha, acho que de ano para ano o Festival tem estado a evoluir bastante. A qualidade obviamente tem crescido, tanto que as pessoas que estão a correr são outras… em termos de qualidade melhorou bastante. Claro que há coisas ali que eu não comprava. Para mim é difícil, até porque, - é engraçado, - eu conheço quase toda a gente que está a concorrer, só há uma pessoa que eu não conheço, e é complicado estar a falar de pessoas que eu conheço, entre as quais tenho grandes amigos. Mas de facto há ali dois ou três temas que eu não comprava, nem nunca poria numa final do Festival da Canção. Mas pronto, isto é um resultado do processo que temos. Eu acho que a RTP devia desistir das votações online, que só trazem confusão e intrigas entre os concorrentes… é muito mau, muito mau! E os comentários que os ressabiados deixam… a RTP devia acabar com isso o mais rápido possível. Se escolhem vinte e quatro também podem escolher doze, e acabou. E depois, sim, as pessoas podem votar nos finalistas. É a melhor maneira de elevar a fasquia e ter realmente boas músicas. Os júris são bons produtores, são pessoas que estão envolvidas com a música e têm experiência. O Festival ganhava e o publico não se ia sentir de fora porque as pessoas iam ter a possibilidade de votar no dia, na final.

ESC Portugal – Até porque quem participa na votação online é uma fracção mínima das pessoas que vêm o Festival e votam por telefone…

NN – Pois, é isso. Há muita gente que, na volta, nem computador tem; mas são as pessoas que vêm o Festival, no dia ligam a televisão e ficam ali a ver aquilo tudo, e se calhar até pegam no telefone e votam. Não são os trinta e cinco amigos que se juntam todos com dez computadores, a criar emails… isso não é nada! E depois acabam por ficar de fora coisas que deviam ter entrado e entrar coisas que não deviam lá estar. Acho que é estúpido e a RTP devia acabar com isso o quanto antes.

ESC Portugal – Voltando ao teu tema, e tendo em conta que estás a participar numa competição, quais são as características que encontras na canção São os barcos de Lisboa que fazem dela uma canção vencedora? O que é que nessa canção é apelativo para o público, que o faz pegar no telefone para votar em ti? E o que é que a torna atraente para os júris profissionais?

NN – Bem, em primeiro lugar, qualquer pessoa, que a vá ouvir, vai sentir que é uma coisa séria, vai sentir que é verdadeira, com um gajo a cantar que está a cantar com o coração… Eu quero fazer uma coisa muito séria este ano. Aliás, eu este ano estou-me a envolver muito mais neste processo todo do que em 2009. Vou estar envolvido até à escolha dos músicos que vão estar em cima do palco, - que faço questão que sejam músicos que saibam tocar o tema; senão arranjava aí umas miúdas e uns miúdos todos giros, para fazer o boneco, mas não é isso que eu quero, mesmo estando eles a fazer playback. Quero tê-los lá, não por serem pessoas bonitas ou terem boa presença, mas por serem bons músicos. Depois temos a raiz portuguesa, a guitarra portuguesa está lá. A minha voz, apesar de não ser uma voz de fado, na melodia, na vocalização, vai beber muito ao fado. Temos também a componente electrónica, que traz ao tema uma roupagem actual. E temos, principalmente nessa componente electrónica, algumas coisas que são completamente festivaleiras, como os samplers, por exemplo, são coisas que resultam mesmo, são mesmo à Festival da Canção e à Festival da Eurovisão. Quando ouvires o resto do tema vais perceber isso.

ESC Portugal – Tens acompanhado de perto a forma como o teu tema tem sido recebido, através das redes sociais e dos sites?

NN – Para ser sincero, não, não muito. Confesso que me desliguei um bocado dessa parte, até porque também estou envolvido noutros projectos, estou na fase de misturas do meu álbum, estou a trabalhar num outro projecto que vai sair… quando foi a fase das votações ainda acompanhei, mas agora desliguei um bocado. Vou voltar a ligar-me mais esta semana porque começa uma nova fase, estão a começar os ensaios e então vou começar a dar atenção a sério.

ESC Portugal – No caso de venceres o Festival, sendo portanto o nosso representante em Dusseldorf, o que é que planeias fazer em termos de promoção internacional?

NN – Em termos de promoção internacional, planeio fazer toda a promoção que conseguir. Tenho tido pedidos de entrevistas de vários orgãos relacionados com o Festival, e depois vou tentar fazer tudo o que conseguir. Tenho a facilidade de ter uma família grande, tenho família em Espanha, tenho família na Irlanda e portanto vou tentar, por exemplo, explorar a hipótese de participar em concertos lá fora…

ESC Portugal – Ou um vídeo, por exemplo?

NN – Nós por acaso queríamos passar um vídeo, durante a actuação, mas parece que não vai dar, vamos ter que fazer de outra maneira. Mas pode passar por aí. Eu quero divulgar o tema o mais possível, vou utilizar ao máximo as redes sociais.

ESC Portugal – Uma versão em língua estrangeira, - em inglês eventualmente, - faria sentido?

NN – Sim, todo o sentido! Essa é outra coisa que eu acho muito mal no Festival. Porque não cantar em inglês? Eu se cantar em inglês não deixo de ser português e posso muito mais facilmente chegar a todo o mundo. Portanto acho um bocado estúpido e retrógrado e… vou reforçar: estúpido, imporem que se cante em português. Quantos dos outros países concorrem a cantar em inglês? Quase todos! A maior parte das pessoas hoje em dia fala inglês, o inglês é uma língua universal. As pessoas até podem gostar, quando é a Mariza, por exemplo, mas não percebem nada, gostam é da música, do sentimento que passa, acham bonito. Agora, se eu for para o estrangeiro cantar rock em português, ninguém percebe, não faz sentido. As pessoas até podem gostar da música, mas não vão querer saber, porque não percebem. Se o intuito é ir à Eurovisão, porque não cantar em inglês? Ou em francês, ou em alemão!? Eu faria com todo o gosto uma versão em inglês do tema. Obviamente tinha que se adaptar a letra, mas aposto que ia ficar igualmente bom e, aí sim, podíamos chegar a mais pessoas. Não podemos alimentar a ideia de que alguém vai lá fora, à Eurovisão, a cantar em português e vai ficar famosíssimo, porque isso não é verdade, não vai acontecer.

ESC Portugal – Achas que essa é uma das razões porque Portugal nunca venceu o Festival da Eurovisão, ou nunca teve sequer um lugar entre os cinco primeiros?

NN – Tem a ver com isso, sim. Mas tem também a ver com o tipo de música que tem sido escolhida. Continuamos a pensar pequeno. Claro que é bom valorizar o que é nosso, mas não podemos ficar por aí. Não basta levar coisas bonitas, mas que depois não têm impacto. Os outros países não se poupam a meios, têm grandes coreografias, têm temas brutais, coisas bem feitas e bem pensadas. Se vires, as canções que ganham são animadas, são apelativas… mesmo as baladonas, não são temas lineares. Agora, assim é complicado, fica difícil. Olha, se eu ganhar o Festival este ano, vou alcançar a melhor pontuação que Portugal já teve na Eurovisão. Isto é uma coisa que eu prometo…

ESC Portugal – Olha que estou a gravar! Vou publicar isso…

NN – Sim, podes escrever mesmo: se ganharmos o festival aqui, lá fora vamos ter a melhor pontuação de todos os tempos. Ganhar, é difícil. Ganhar é muito difícil. Mas vamos ter a melhor pontuação de todos os tempos, garanto eu.

ESC Portugal – E tens acompanhado os processos de selecção dos outros países?

NN – Mais ou menos. Ouvi algumas coisas de Espanha e ouvi a canção de uma banda, da Holanda, acho eu. Mas sinceramente, para já, estou concentrado é no que se passa aqui, e no que vamos mostrar cá, tem que ser por etapas. Depois, se for o escolhido para ir lá fora, logo vou ver com mais atenção as canções dos outros países. Até porque a nossa música é como é, não vamos fazer nada para mudá-la, quer dizer, até podemos mudar uma ou outra coisa, mas o facto é que as pessoas ainda não ouviram a música até ao fim. A melhor parte da música começa exactamente onde acabava, nos 90 segundos que estavam online, o que é engraçado, porque as pessoas nem imaginam o que é que vem a seguir.

ESC Portugal – Portanto, presumo que não concordes com essa parte do processo, de apenas se publicar uma parte da canção, durante a votação online…

NN – Bem, por um lado cria alguma expectativa. Mas por outro lado, de facto, não dá para ficar com uma ideia clara, não se conhece a música inteira. Lá está, no caso da nossa música, o momento em que acaba é quando a música começa a desenvolver e as pessoas não ouviram isso ainda. E além disso estamos a falar de maquetes. As canções, até ao Festival, podem melhorar ou piorar. Nós estamos nesta altura a trabalhar na nossa música, com o nosso produtor, o Fernando Abrantes, e com o Fernando Martins, que tem muita experiência, é intelegentíssimo e sabe o que faz. Aí sim, as músicas vão ganhar uma nova vida e podem surpreender.

ESC Portugal – E depois temos a actuação ao vivo, que pode ser decisiva.

NN – Exacto, a actuação ao vivo é o mais importante de tudo. Aí é que se vai ver o que cada um é capaz de fazer. Há alguns que enchem o palco de adereços e há outros que não fazem nada desse género, que é o meu caso, que vou limitar-me a cantar. E depois, olha, que vença o melhor, o que Portugal achar melhor.

ESC Portugal – Para terminar. Em termos de carreira, tens ainda algum grande sonho por realizar? E qual é o teu próximo grande desafio?

NN – O meu próximo grande desafio vai ser o disco que vou lançar, que vai ser um disco como ainda não existe em Portugal, pelo menos neste estilo de rock que vou fazer. Vai ser um desafio, porque sei que há temas que nem sequer vão passar na rádio, porque algumas das músicas podem ser muito pesadas. Tenho a consciência que pode ser um completo flop, mas pode igualmente ser um grande sucesso, por ser diferente daquilo que se faz em Portugal, vai ser um estilo e uma sonoridade completamente americanos, mas depois com uma volta em português.

ESC Portugal – Vai ser cantado em português?

NN – Totalmente em português. Vão ser só originais meus, tirando uma versão do Frágil, do Jorge Palma, mas uma versão rock, uma coisa assim tipo Queens of the Stone Age, portanto podes imaginar o que vai sair dali. Outro grande desafio é um projecto chamado Os Mensageiros, que é uma coisa totalmente nova para mim, já que é world music, e em que vou cantar poemas do Fernando Pessoa. E aí eu escrevi a música para um poema que se chama Aquela loira... e que é muito engraçado, e fiz um bossa nova, eu que sou rockeiro fiz um bossa nova! Está muito giro e está a ser um desafio para mim porque estou a entrar num campo em que nunca tinha entrado.

ESC Portugal- E um sonho por realizar?

NN – Um sonho por realizar? Ganhar o Festival da Canção, claro! E depois, obviamente, como qualquer outro músico português, ter uma carreira, não só em Portugal, mas também internacional. Infelizmente em Portugal as pessoas continuam a pensar pequeno, e as próprias editoras têm preconceitos, do género, estás em Portugal, tens que cantar em português… mas pronto, já sei como as coisas são, portanto vou lá fora, vou procurar contactos e vou tentar lutar por esse sonho.

3 comentários:

  1. Isto promete ! :D
    Até já estou ansioso para ver os primeiros ensaios.


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  2. Excelente entrevista, adorei.

    Super curiosa para ouvir o resto da música. :)

    Força aí, Nuno! ;)

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  3. Adorei toda a franqueza que o Nuno utilizou para descrever as músicas rivais. Ninguém faria melhor. Parabéns.

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