[ENTREVISTA] ESC Portugal à conversa com Nuno Norte (Parte I)

ESC Portugal - Antes de mais, obrigado pela tua disponibilidade para esta entrevista. Vamos falar um pouco sobre a tua carreira, sobre a tua participação no Festival da Canção e, naturalmente, da hipótese de ires à Eurovisão. Mas comecemos pelo princípio, pelo Ídolos…

Nuno Norte (NN) – Bom, o Ídolos é o princípio para o público em geral. Na verdade, eu comecei muito antes do Ídolos…

ESC Portugal - Queres falar-nos um pouco desse percurso?

NN – Eu cantar, canto desde os sete anos de idade. Dos sete aos dez anos cantava fado; foi assim que eu comecei, a cantar fado.

ESC Portugal – Isso no Porto?

NN – Não, na Marinha Grande. Eu nasci na Marinha Grande e fui com dez anos para o Porto. Entre os sete e os dez anos vivi com os meus avós na Marinha Grande; tenho tios que são fadistas e primos que são músicos…

ESC Portugal – Portanto, tiveste logo aí uma envolvência…

NN – Sim, pode-se dizer que nasci numa família musical. Fiquei logo com o gostinho pela música e os meus avós impulsionavam. Comecei a cantar fado por causa dos meus tios, nas festas da escola e isso, e já tinha algum destaque. Depois fui para o Porto e deixei um bocado a música de lado, dediquei-me ao desporto, ao basquetbol, e estive quase a ir para o FC Porto, mas acabei por deixar também, e voltei-me definitivamente para a música. E a partir daí fui tocando em bandas de garagem, em bares, festivais… fiz muita coisa! Até que aos 26 anos concorri ao Ídolos, já no limite de idade, que naquela altura ainda era de 26 anos. E pronto, a partir daí já é público.

ESC Portugal – No que diz respeito ao Ídolos, quais são as memórias mais vívidas que tens desse tempo? O que é que te marcou mais nessa experiência? E qual foi a importância na tua carreira, posteriormente?

NN – Olha, o Ídolos foi uma coisa muito importante para mim, foi o que me deu a visibilidade a nível nacional. O que mais me marcou… primeiro, eu estive lá cinco meses, fiz muitas amizades. Apesar de ser um concurso e de estarmos todos a competir com o mesmo intuito, que era ganhar o programa, é impossível não criares amizades com os outros concorrentes, até porque temos uma coisa em comum, partilhamos o mesmo sonho, que é a música, e acabamos por nos identificar uns com os outros. Isso foi o mais importante dos Ídolos, foram as amizades, que até hoje perduram, infelizmente não com toda a gente, não consegui manter contacto com todas as outras pessoas, porque éramos de vários pontos do país. Mas estou em contacto com várias pessoas, como é o caso do Ricardo Oliveira, que foi comigo à final. Neste momento até estou a colaborar com ele, porque acho que ele tem muito potencial. Ele tem uma grande voz e anda um bocado mal aproveitado, e vou tentar com os meus conhecimentos dar-lhe uma ajuda, e assim lanço-me também como produtor e compositor. Outra coisa boa do Ídolos foi conhecer o mundo da televisão por detrás das câmaras, que é uma coisa super interessante; gosto de saber como tudo se passa, os planos, as marcações, essas coisas. E depois eu tinha, se calhar, uma vantagem em relação aos outros, que era o facto de ser o mais velho deles todos e, provavelmente, era o que tinha mais bagagem musical, já tinha feito mais concertos, e isso é capaz de ter pesado mais para o meu lado, porque sabia bem o que estava ali a fazer.

ESC Portugal – Há um aspecto curioso, relativamente ao Ídolos, já que dos quatro vencedores, nenhum deles vem de um percurso pop, e nenhum deles acaba por adoptar esse estilo. Tu próprio tens rejeitado sempre a imagem de artista pop.

NN – Pois, não tem muito a ver comigo. No contexto do concurso, se é isso que eles pretendem, então é isso que eu lhes vou dar, não é?! Mas é verdade e qualquer vencedor do Ídolos, no futuro, vai continuar assim porque o nosso país, no fundo, é um país rockeiro. Nós temos raízes rock, as primeiras bandas que apareceram, portuguesas, eram bandas rock, isto já para ir buscar o Quarteto 1111, e o Rui Veloso já vem muito depois disso. Mas basicamente nós somos um país de rock, e as pessoas gostam é das vozes fortes e com garra, é isso que agarra as pessoas. Quanto ao pop, pode haver muito bom pop, mas em Portugal não acredito que haja, não conheço.

ESC Portugal – Porque, de facto, não temos, em Portugal, essa tradição pop. E há aquele estereótipo, que já vem dos anos 60, de se chamar música ligeira, como se fosse um género menor.

NN – Exactamente! Eu, sinceramente, comparando o pop estrangeiro, de qualquer país, com o pop português, concluo que não há pop português. Não se faz pop em Portugal como se faz no estrangeiro. Já se tentou fazer, mas normalmente quando se tenta fazer os resultados não são assim grande coisa… acabam por resvalar para o popularucho. Também tem a ver um bocado com a nossa língua. O português é uma língua complicada e no pop não podes ter frases muito complexas, nem palavras muito complexas, têm que ser tudo muito simples. Mas o que se tem feito acaba por ficar simples demais, a roçar o popularucho. Enfim, se fores ver as letras da Lady Gaga aquilo é muito básico, é popularucho, mas em inglês resulta. Já em português…Nós não temos tradição pop. Temos muito boas raízes portuguesas, como o fado e a música tradicional, popular, e no rock. Agora o pop não existe. E se formos a ver, eles aqui em Portugal não chamaram ao programa Pop Idol, chamaram só Ídolos. Se eles estão à procura de um ídolo pop, ao fim de quatro edições, ainda não o encontraram. Deviam mudar isso. Por acaso já podiam ter encontrado. O Carlos Costa, em termos de perfil era a pessoa ideal, era perfeito para aquilo que eles querem. Mas não venceu. E por quê? Lá está…

ESC Portugal – Mas voltando a ti. Depois do Ídolos tiveste oportunidade de tocar no Rock in Rio, lançaste o teu primeiro disco, fizeste parte da Filarmónica Gil…

NN – Sim, foi a partir daí que comecei a ter alguma coisa reconhecível, a nível musical. Trabalhar com o João Gil é… qualquer pessoa que tenha a sorte de trabalhar com o João Gil pode-se sentir um privilegiado. É um dos melhores compositores do país e vai ficar na história da música portuguesa, tem musicas que vão ficar para a história e isso ninguém lhe pode tirar. Foi fantástico trabalhar com ele, foi uma surpresa quando me convidaram para o projecto, por causa do estigma em relação ao concurso, - hoje nem tanto, mas na altura havia mais, - por parte dos músicos que estão cá há mais tempo em relação à malta nova, tendem a marginalizar, porque olham para nós e acham que são só uns putos que chegaram agora e cantam umas coisas… não são todos, mas há gente assim. O importante para mim é ter uma bagagem musical e a trabalhar com o João Gil aprendi muito; aprendi a cantar em português, que é uma coisa muito difícil, e eu não sabia cantar bem em português, é preciso ter uma boa dicção, suavizar as palavras que são tão duras, tão rudes. Foi uma experiência maravilhosa, fomos disco de ouro… só tenho coisas positivas a dizer.

ESC Portugal – E depois, em 2009, participas no Festival da Canção, com o tema Lua sem luar. Como foi essa experiência? Tiveste um excelente resultado…

NN- É verdade. Eu não estava à espera, tanto que no resultado da votação online eu não fiquei nos finalistas, fui repescado depois, e no final de tudo ainda acabei com uma boa classificação, foi porreiro… não estava à espera, sinceramente. E depois, em relação ao Festival da Canção… há uma coisa que eu tenho que dizer, que tenho dito em quase todas as entrevistas… o Festival da Canção anda, de há uns anos para cá, a ser denegrido, há muita gente a minar a imagem do Festival, e acho que isso acaba por afectar a própria produção do espectáculo, eles próprios ficam meio desmotivados, o que faz com que depois o Festival comece a entrar em decadência. E há uma coisa que eu acho mesmo mal, que é as pimbalhadas no Festival da Canção. É essa a imagem que queremos passar do país, que somos pimbas? È alimentar a imagem do gajo de bigode e com os pelos do peito à mostra? Já temos má imagem, e ainda queremos levar lá para fora musiquinhas da treta? É rebaixar ainda mais a nossa imagem. Acho que mesmo os artistas mais consagrados deste país deviam participar no Festival da Canção, para elevar o estatuto do Festival; este ponto é muito importante. Qualquer cantor que me diga que não gostava de participar no Festival da Canção, para mim, está a mentir. Participar no Festival e ter a possibilidade de ir à Eurovisão representar o nosso país é das coisas mais puras e mais importantes que um artista pode fazer. Temos que representar o nosso país de forma digna.

ESC Portugal – Mas o factor competição, por um lado, e a imagem que o próprio Festival da Eurovisão tem gerado, de pouca credibilidade, em que a apresentação visual acaba por, muitas vezes, sobrepor-se à qualidade das canções, a cair na fantochada, isso não é desmotivador para os artistas mais sérios ou mais consagrados?

NN – Eu acho que sim, mas… olha, por exemplo, este ano entraram artistas mais sérios, entraram pessoas que muita gente não estava à espera que entrassem. Tens o [Henrique] Feist que é um senhor, anda aqui há muitos anos e sabe bem o que faz. Tens a Wanda Stuart, também anda aqui há uma data de anos e sabe muito bem o que faz. E depois tens uma série de novos valores… novos valores que já não são assim tão novos, já cá andam há uns anos, como a Filipa [Ruas], a Carla Moreno, que esteve comigo no Ídolos, a Tânia Tavares, grandes vozes, talentos que infelizmente andam aí meio desaparecidos. Nota-se bem que este ano há muito mais maturidade musical em todos, que está tudo a tentar ter uma postura mais séria… tirando, claro, os Homens da Luta; mas os Homens da Luta são aquelas personagens fantásticas… Eu gosto muito deles, acho que o Jel é intelegentíssimo, ele sabe bem o que é que faz, mas não vejo os Homens da Luta como um potencial vencedor. Eles na votação online quase que aposto que tiveram a maior votação de todos tempos. E possivelmente também podem ter a pontuação máxima na votação por telefone, mas eu, pessoalmente – e que fique claro que não estou a dizer isto por estar a competir com eles, - eu não escolheria os Homens da Luta para representar Portugal porque eles representam uma imagem do passado, aquilo não é a nossa imagem hoje em dia…

ESC Portugal – Mesmo sendo com ironia?

NN – Mas nós aqui até compreendemos, agora lá fora vão ver o tal gajo de bigode, português; vai-se só confirmar aquilo que os estrangeiros pensam de nós, que somos uns retrógrados. Vamos lá fora gozar com o nosso pais!? Isto é a minha opinião, agora não lhes tiro mérito nenhum, eles são muito bons naquilo que fazem, ainda para mais sou amigo deles, não tenho nada contra eles, mas por mim não iria por aí. Mas vai ser muito engraçado, tenho a certeza.

(continua)

Imagem(c): Nuno Norte

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